Ouvi o Dr. João dos Santos dar uma gargalhada e… deu a reunião por acabada… *
* Carta da Professora Maria Isabel Vieira Pereira dirigida a Luis Grijó dos Santos em 21 em Maio de 2018
Dr Luís Grijó dos Santos, O Dr. João dos Santos que fora meu professor de psicologia no Curso da Escola João de Deus, sabia bem que eu não tinha qualquer formação especializada em qualquer deficiência. No entanto, não deixei de lho lembrar. Com aquela maneira simples de grande mestre, respondeu-me: «qualquer aluno deficiente é, antes de mais, uma criança e nós cá estamos para a ensinar, o que também estamos a aprender; quer aprender?” Eu só lhe pude garantir o meu desejo de aprender, aprender sempre, porque preparada para o trabalho que me oferecia, sabia bem como eu não estava. Ele garantiu-me, não só os seus permanentes ensinamentos, como o contacto com pessoas com quem eu muito iria aprender. Era-me impossível não entrar no projecto daqueles mestres sonhadores e assim iniciei a minha docência na classe de ensino primário para amblíopes. Na verdade, nunca duvidaram da minha imperiosa vontade de superar dificuldades, e melhorar atitudes. Foi assim que entendi a mensagem que João dos Santos me enviou aquando de uma situação de conflito que muito me surpreendeu e doeu, por ser entre mim e colegas de trabalho em quem confiava e de quem esperava mais compreensão. Escreveu-me nessa altura João dos Santos:
“Recebi hoje a sua carta de 2. Espero encontrar no meu regresso o seu relatório. De qualquer forma, do balanço das suas faltas ou defeitos e das suas qualidade e aptidões, eu acredito desde já que o balanço lhe é favorável. Cumprimentos do ex-professor e amigo.” 26/X/66,
Este entender de mim que o Dr. João dos Santos tinha desde que fora meu professor na Escola de Educação senti-o não só então, mas em várias circunstâncias ao longo dos anos. Sempre com poucas ou nenhumas palavras de parte a parte. Significativo foi, por exemplo, o que se passou numa das habituais reuniões de estudo com a equipa da escola e a presença daquele mestre. Cada professora e educadora falava do que queria: do trabalho, dos seus alunos, das dificuldades, dos sucessos. O Dr. João dos Santos ouvia, pedia a opinião dos presentes sobre o que tivesse sido apresentado e, quando entendia, falava então à sua maneira. Eu trabalhava naquele ano com uma 1ª classe, tendo como era já prática corrente na escola, crianças cegas, amblíopes e sem deficiência visual. Acontecia também que, nesse mesmo ano de 1974/1975, eu frequentava um curso de aperfeiçoamento da Especialização em Deficiência Visual. Na dita reunião, algumas colegas já tinham falado das dificuldades de aprendizagem dos seus alunos e eu senti necessidade de pôr ali em comum uma constatação que, para mim, vinha sendo muito evidente. Por motivo do citado curso, eu faltava várias horas Junto dos meus pequenos alunos. Tinha sempre o cuidado de lhes dizer quando ia faltar e porquê: que estava também eu a aprender mais coisas com professores que sabiam mais do que eu, deixava o trabalho da classe mais ou menos organizado e os dias decorreriam normalmente. Lembro-me que quase tremia de emoção ao contar que efectivamente os meus alunos não apresentavam quebras no seu ritmo de aprendizagem, o que se tornava mais evidente pela sua aprendizagem na leitura, própria para uma 1ª classe, claro. O que me levava a verificar que os meus alunos iam aprendendo porque realmente queriam aprender, iam aprendendo mais uns com os outros, mergulhados no mesmo ambiente estimulante criado no grupo do que, estando presente, eu lhes pudesse ensinar. Ouvi o Dr. João dos Santos dar uma gargalhada e eu, aflita, atrevi-me ainda a afirmar: “é verdade, se eu falto e eles aprendem, é porque não sou ‘ou quem os ensina.” O olhar do mestre tranquilizou-me, deu a reunião por acabada, sem que a maioria dos presentes tivesse entendido bem porquê. Sabes Deus o que ainda hoje me custa relatar estas coisas, tal a força da verdade pedagógica e não só, nelas contidas. Com um abraço de Isabel Pereira 21 de Maio de 2018
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Patrícia Helena Carvalho Holanda, Linha História e Educação Comparada da Universidade Federal do Ceará


















