A CRIAÇÃO DO SER
Maria Manuela Cruz, a Livraria Linha de Sombra e a Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema, I.P. têm o prazer de o/a convidar para o lançamento do livro “A CRIAÇÃO DO SER” de Maria Manuela Cruz.
Sexta-feira, 24 de Março, às 18h
Livraria Linha de Sombra, Cinemateca Portuguesa
Rua Barata Salgueiro, 39, Lisboa
Com a presença de
Prof.ª Anita Carvalho,
Dr. Augusto Carreira e
Maria Manuela Cruz
DOUTORA OU PROSTITUTA – SÃO AMBAS MULHERES
Maria José Vidigal
Fevereiro de 2023
Uma primeira grande lição que aprendi com João dos Santos, sem exageros, à época verdadeiramente revolucionária: as famílias e as crianças que atendemos nos Serviços Públicos merecem-nos tanto respeito como as que atendemos no privado. Isto significava que a maneira de receber as pessoas, a pragmática social adequada à situação, não diferia quer se estivesse num local ou noutro. E, de igual modo, o não fazer esperar as famílias, como era corrente nos serviços públicos.
E assim, a prostituta que actuava no Cais do Sodré, era recebida com a mesma deferência que a doutora que vinha à consulta! O efeito e o impacto que esta atitude tinha sobre as mães, só é possível apreciar e valorizar quando se viveu uma tal situação.
João dos Santos, regressou de Paris em 1950, para onde foi obrigado a ir por ter sido demitido de primeiro Assistente de Psiquiatria e proibido de entrar em qualquer hospital psiquiátrico do país, em pleno período salazarista.
Em Paris, foi acolhido por Henri Wallon no Centro de Pesquisas Científicas de França (C.N.R.S.) no Laboratório de Biopsicologia da Criança. Trabalhou no Serviço de Georges Heuyer, primeiro professor de Neuropsiquiatria de França no Hospital “Enfants Malades” e no Centro Alfred Binet, dirigido por Serge Lebovici que foi o pioneiro da psicanálise infantil em França. Fez em Paris a sua formação psicanalítica, trabalhando com Jacques Lacan, Sacha Nacht, René Diatkine e Pierre Luquet, entre outros.
Foi nessa época que a Direcção Geral de Saúde tomou a decisão de organizar um Centro para atendimento das famílias e respectivos filhos, que eram então atendidos no Dispensário do Instituto de Assistência Psiquiátrica, em duas tardes, por Margarida Mendo e outras colegas. A pedido de Margarida Mendo, que tinha muito prestígio no meio, nessas tardes não eram recebidos doentes adultos, porque podiam eventualmente assustar as crianças com os seus comportamentos.
Colaborou activamente no projeto de instalação do Centro de Saúde Mental Infantil de Lisboa que foi inaugurado no dia 27 de Abril de 1965 ocupando João dos Santos o lugar de diretor, tendo sido seleccionado devido à preparação teórico-prática que trazia de França aliada à sua capacidade de liderança. Com saber, firmeza e tranquilidade lançou a Psiquiatria Infantil Portuguesa ao nível Europeu.
Com Margarida Mendo, Dora Bettencourt, Maria José Gonçalves, Teresa Ferreira, Coimbra de Matos e eu, entre muitos outros, pôs em prática uma nova forma de trabalho constituindo equipas multidisciplinares com médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, professores e educadores. No início o Centro era formado pelo Dispensário Central na Rua João Penha, a equipa dispensarial do Hospital Dona Estefânia e pelas Clínicas do Hospital Júlio de Matos.
Ao tomar posse como Director, começou por visitar todas as instituições de Lisboa e arredores responsáveis por crianças e adolescentes débeis mentais, sem famílias, com deficiências auditivas, cegas ou amblíopes e com problemas de comportamento, sempre acompanhado por um pequeno grupo de técnicos, tais como psiquiatras, assistente social, educadores e uma psicóloga.
Nessas visitas também se aprendia, através das sugestões que João dos Santos ia dando, até na decoração. Por exemplo, numa instituição de cegos, em que não havia nem uma jarra de flores, nem uma planta de interior, João dos Santos chamou a atenção para esse facto e para a necessidade de manter uma decoração agradável “…porque os cegos não conseguem ver, mas sentem.” O pessoal da instituição era alertado para a poesia das coisas aparentemente banais e aceitava bem as suas sugestões porque eram ditas tranquilamente, tinha sempre uma palavra agradável e nunca em tom de crítica.
Da mesma forma, no Centro que dirigia, as famílias com as suas crianças tinham que ser atendidas a horas certas e da mesma maneira como nos consultórios. Todas as pessoas merecem o nosso respeito. Nos Serviços Públicos chegavam a marcar as consultas às 9 horas e eram atendidas depois do meio dia!
O seu amigo, pediatra Rosa Paixão, Director do Centro de Saúde Domingos Barreiro, pediu-lhe que o ajudasse a organizar no seu Centro, o mesmo tipo de funcionamento para atendimento das crianças. Assim, fui eu própria destacada, após umas três ou quatro palestras realizadas por João dos Santos, para introdução da Consulta e para dar uma breve explicação aos outros técnicos da instituição sobre o objectivo que se pretendia.
Tratava-se de uma população que vivia num bairro degradado, de barracas. A enfermeira responsável por aquela consulta, falou-me de uma prostituta que parecia viver sem palavras, de modos aparentemente serenos. Um dia apaixonou-se desesperadamente e engravidou para dar continuidade a esse amor desejado, que se perdeu por ela ter recusado interromper a gravidez. Foi assim um amor desejado que se perdeu.
Podia dizer-se que parecia uma viva-morta que causava problemas no bairro, porque levava os homens que provocavam grandes zaragatas. Era uma mulher desamparada e tinha o filho já de 4 anos que ficava escondido debaixo da cama onde ela recebia os homens. Os rapazes tentavam abusar da criança e chamavam-lhe “o filho da puta”. A própria mãe nascida nos Açores tinha sido abandonada, tendo vivido numa casa de religiosas. Saiu aos 18 anos e foi logo para a prostituição, forma inconsciente de encontrar um contacto com outro corpo o que nunca tinha tido nos primeiros meses de vida.
A mãe aceitou vir à minha consulta para resolver o problema do filho. Era uma mulher magra, com vestido castanho que sobrava. Tinha o cabelo cortado à “tijela” como as jovens dos asilos do passado. Em poucos dias a criança foi internada e deu-se a coincidência que eu conhecia a educadora que se iria ocupar da criança e pedi-lhe que se interessasse por ela.
Todas as semanas a mãe me procurava na consulta, sempre com o mesmo comportamento, e vinha dar-me notícias do filho que todos os sábados ia ver.
Regressei ao meu antigo Serviço, nas Amoreiras, e assim se passaram uns anos. Uns meses após a Revolução de 25 de Abril, estava na consulta quando uma funcionária me telefonou para o meu gabinete porque veio uma pessoa procurar-me “não tem consulta marcada, nem diz o nome”. Mandei-a subir e deparei-me com ela. Vinha bem arranjada, cumprimentou-me e sentou-se. Nem parecia a mesma! Então disse-me que, como eu sabia tinha havido uma revolução em Portugal, mas também tinha havido uma revolução na vida dela: aceitou ir viver para o rés-do-chão e o emprego de limpezas que a Sra. Enfermeira lhe arranjou, e já tinha o filho a viver com ela: “Eu vim cá porque queria dar esta notícia à Sra. Dra.”.
É fácil entender como me senti emocionada quando a recebi e como senti a importância de tratar bem as pessoas que nos procuram. Ela continuava uma flor que não queria tombar da haste porque encontrou alguém que lhe ofereceu ternura… e afinal havia mais estrelas no céu.
Muito se pode fazer quando se acredita no potencial que cada ser humano encerra dentro de si…
Esta foi a lição que aprendi com João dos Santos: DOUTORA OU PROSTITUTA – SÃO AMBAS MULHERES!
* * * * *
Da minha colega de Curso, Alda Lara, poetisa, também nascida em Angola:
À prostituta mais nova
do bairro mais velho e escuro,
deixo os meus brincos lavrados
em cristal, límpido e puro.
Alda Lara, 1950 (Angola)
Maria José Vidigal
Pedopsiquiatra e psicanalista
Fevereiro de 2023
É com enorme orgulho que a Casa da Praia tem o prazer de anunciar que foi vencedora do prémio BPI | Fundação “la Caixa” Infância 2022.
O projeto “SaberSentir: A Pedagogia Terapêutica para a Promoção do Desenvolvimento Socioemocional” conta com uma equipa transdisciplinar (com técnicos nas áreas da educação, saúde e serviço social), que atuará na prevenção de problemáticas do foro emocional e comportamental das crianças, refletindo-se numa boa integração escolar. Propomos uma intervenção precoce no contexto escolar das crianças de último ano de Jardim de Infância, centrada na promoção das competências socioemocionais; formação e supervisão à comunidade educativa e partilha e reflexão em torno de práticas parentais positivas.”