
6 de Setembro de 2013 *
O Jardim Infantil Pestalozzi (uma escola de ensino pré-escolar e 1º ciclo do ensino básico) foi fundada em 1955 por Lucinda Atalaia, pedagoga e professora com uma prática determinada por ideias avançadas de personalidades da época que se destacavam pelo saber científico relativo à criança e por uma filosofia humanista de educar. Hoje, a instituição continua a manter presente o pensamento de ideólogos que ela elegeu: João dos Santos, Rui Grácio, Maria Amália Borges e Agostinho da Silva.
“Cada pessoa guarda um segredo. O segredo do homem é a própria infância.” diz João dos Santos com a autoridade da sua sólida e profunda formação e a poética narrativa com que comunica.
A confirmar e a ampliar esta ideia, escritores e artistas dão especial relevo à memória da criança que foram, às vivências da sua própria infância e à infância dos outros.
Matilde Rosa Araújo, poetisa e escritora, grande amiga da Lucinda, visita estimada e próxima dos meninos do Pestalozzi, cuja obra continua hoje a ser lida e bem conhecida por eles (meninos) anota na sua coletânea de textos “A infância lembrada”:
“Entender a profundidade e utilidade […] da infância deve estar presente em todos que a ela se dediquem.”
São inúmeros os poetas e escritores da língua portuguesa de que ela recolhe os mais belos escritos sobre o tema.
Também no “desassossego” pessoano encontramos referências significativas sobre o tema.
“Infantil de absurdo, revivo a minha meninice, e brinco com as ideias das coisas […].”
“Escrevo e choro a minha infância perdida; demoro-me comovidamente sobre os pormenores de pessoas e mobília da velha casa na província; evoco a felicidade de não ter direitos nem deveres, de ser livre por não saber pensar nem sentir […].”
E mais diz Fernando Pessoa, alargando o campo das ideias:
“A arte consiste em fazer os outros sentir o que nós sentimos, em os libertar deles mesmos […].”
Que dizer da belíssima pintura de Picasso, do período azul, “A menina e a pomba”?
Quanta harmonia e ternura, apelo à proteção, essa imagem nos evoca!
A escola é o sítio onde se impõe aprender. Da pré escolaridade que se deseja livre, estimulante e evolvente, continuadora da ação materna, passa-se à escolaridade básica onde a exigência e o rendimento têm mais a ver com a atitude e função paterna para conduzir ao saber sistematizado e programado, à autonomia e sociabilização. Não significa isto que a escola deva promover uma formação que torne a criança numa máquina de aprender, acrítica, competitiva, submetida a uma disciplina pouco promotora da individualidade e da liberdade criativa.
“Ser criança não é um vácuo, não é só uma promessa com maior ou menor conteúdo: é uma realidade presente do ser sofredor e pensante […].” diz-nos Matilde Rosa Araújo.
Mas a criança não tem autonomia, não pode ser vista desenquadrada dos pais e do seu meio familiar.
Sentiu-o Lucinda, já nos anos 50 e 60 quando nisso pouco se pensava e uniu-se a João dos Santos para promover e defender, na escola, uma estreita ligação dos pais à vida escolar dos filhos.
João dos Santos foi com ela o principal impulsionador desta ação.
Hoje a criança continua a ser, no Pestalozzi, o centro das nossas atenções no seu estar e sentir que determinam o aprender.
Defendemos uma escola humanizada onde o afeto seja a mola real do que se sente e retém, onde a imaginação se solte no pensar e no comunicar, onde a criatividade ocupa lugar de destaque a par do rigor de observar, elaborar, deduzir e generalizar, orientação primeira para a objetividade científica.
A habilidade e treino do fazer com as mãos, movimentar o corpo, torná-lo expressivo, implicado e coordenado com o pensamento é mais uma faceta do trabalho de educar onde João dos Santos está presente.
O Jardim Infantil Pestalozzi foi, com outras poucas escolas do tempo da ditadura, um local de inovação pedagógica, de educação para a democracia.
Continua com as mesmas preocupações não arregimentado na corrida aos “rankings”, à ideia falseada de rendimento e competência.
Prosseguimos o caminho preocupados com o sucesso dos alunos, com a sua sólida e adequada formação, atendendo às caraterísticas de cada um, à valorização dos seus diferentes saberes, à comunicação com os pais e familiares que nos ajudam a educar e instruir crianças felizes.
Mencionando de novo João dos Santos:
“Na minha escola primária pouco mais aprendi, e mal, do que utilizar alguns instrumentos de cultura, a escrita por exemplo. É importante mas não é tudo.
O mundo das coisas – a escrita é uma coisa – não se movimenta, não se dinamiza, não se torna interessante e belo sem o mundo dinâmico das pessoas” e mais “Só é bom saborear a vida, quando se saboreou a doçura da infância”.
Que no Pestalozzi cada menino possa viver e aprender saboreando a doçura da infância é, continua a ser, o nosso mais firme desejo.
Lisboa, 6 de Setembro 2013
Maria Manuela Cruz
* Comunicação na Conferência “João dos Santos no século XXI” proferida pela Professora Manuela Cruz e a Equipa do Jardim Infantil Pestalozzi , 6 de Setembro de 2013
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