O movimento como forma de expressão e reestruturação do psiquismo em Saúde Mental Infantil

 
Ana Rodrigues Melo MEDIUMAna Rodrigues *
6 de Setembro de 2013 **

Uma conversa com João dos Santos sobre a “Síndrome Psicomotora de Evolução e a Hiperactividade e Défice de Atenção”

Agradecimentos

Hoje é dia de Festa. “festa, é… grupo de trabalho, a vivência colectiva de uma ideia…”(in. Casa da Praia. O psicanalista na Escola, p. 19). Hoje é dia de comemoração e partilha. Da pessoa, das ideias, dos ensinamentos. A Festa era, para João dos Santos um tempo e um espaço de vivência emocional positiva. Hoje seria um dia importante.

Pessoalmente é dia de privilégio. Não conheci, como a maioria, o Dr. João dos Santos. O que dele me ficou, foi-me ensinado pelos que o conheceram e de forma tão intensa que há alturas em que acredito ter-me cruzado com ele nos corredores ou no ginásio da Casa da Praia. O que guardo não foi construído em vivências diretas, recheadas de imagens, sons, cheiro e toque. São valores, atitudes e sabedoria que pude observar, interiorizar, nas palavras escritas, na atitude e prática de outros. O que guardo não tem corpo, mas tem a força de uma raiz, que cresceu e se foi transformando em coisa diversa.

O percurso profissional que fiz encontra esses ensinamentos por mais voltas que dê. A eles regresso com frequência pela verdade e simplicidade que encerram. Tudo o que aprendi e posso partilhar é fruto das vivências de outros que, directamente o conheceram. Por isso, hoje, me sinto assim como que “peixe fora de água”, com alguma dificuldade em respirar e em ter a segurança de que seja efectivamente capaz de partilhar a tarefa que assumi.

Disse, vezes sem conta, que não deveria ser eu a estar aqui. Outros o fariam com uma mestria que não possuo. E não estou em crer que o grau académico me dê o suporte necessário para tal. Acredito mesmo que João dos Santos não faria esta escolha. Mas a angústia resolve-se dando um passo em frente e espero poder deixar-vos ideias válidas que me vêm da experiência directa com crianças e famílias e que conjugo com a componente mais académica da minha vida profissional como professora universitária.

Desta forma, só me resta agradecer muito em especial ao “meu Mestre”, o Professor Pedro Morato, que devia estar aqui em vez de mim, por, mais uma vez, ter confiado e me ter empurrado para uma tarefa que é um desafio mais pessoal que profissional.

Enquadramento do Tema

O tema desta palestra é: O movimento como forma de expressão e reestruturação do psiquismo em Saúde Mental Infantil. Não é inovador, não tem dados científicos recentes, nem estatísticas de evidência. Julgo que se dispensa de adjectivos sonantes.

É a homenagem possível a João dos Santos e para que não esqueçamos que foi Honoris Causa pela Faculdade de Motricidade Humana, onde fez a sua formação inicial. Estou em crer que a formação em Educação Física foi um suporte fundamental em toda a riqueza do seu pensamento sobre a criança e a família e que foi essa formação de base que lhe permitiu ser uma pessoa com um olhar mais completo. No dia em que recebeu o Doutoramento Honoris Causa e citando o Professor David Rodrigues, no texto que escreveu em sua homenagem no site do Centenário, terá respondido à pergunta de como era regressar ao mundo da Educação Física:

“tenho persistentemente tentado ensinar que a aprendizagem da matemática está no corpo e que, no geral, todas as aprendizagens passam pela emoção e pela corporeidade”.

Numa época em que:

1) – nos confrontamos com a necessidade de mostrar um corpo bonito, e são, mas em que se podem reduzir as horas escolares de prática de actividade física das crianças e jovens;

2) – a saúde do corpo está nos mais variados anúncios de jornais e revistas, mas em que a nota em Educação Física não conta para a média do ensino secundário, levando os jovens a acreditar que não vale a pena investir;

3) – a ciência já mostrou que não há um corpo e uma mente, mas um corpo unificado que se desenvolve de forma integrada mas em que parece que a prática em educação e saúde o deseja negar, expondo as nossas crianças a múltiplos ecrãs e vidros de carros através dos quais passa a vida;

4) – parece que caminhamos para que a espécie se adapte (Darwin assim o diria) e se desenvolva sem que o cérebro saiba o que é o cheiro, o toque, a emoção profunda guardada.

O tema, simples e aparentemente banal, ganha o sentido de renovação, de slogan que necessita ser reavivado.

Desenvolvimento e Psicomotricidade. A Reeducação Psicomotora

“Toda a organização da vida psíquica parte do funcionamento do corpo e da sua movimentação, logo das reacções emocionais básicas ou instintivas, que se manifestam sob a forma de impulsos ou líbido.” (in A Casa da Praia. O psicanalista na escola, p. 41).

“O que é objectivamente investido, sentido e percebido é primeiro uma experiência corporal (de incorporar) para se tornar depois numa vivência interior ou subjectiva (introjetar)”. (in A Casa da Praia. O psicanalista na escola, p. 41).

Investir, intuir e perceber é a hierarquia da génese do pensamento, da inteligência. Investir e intuir corresponde ao processo de assimilação no qual o papel do corpo e do movimento é inegável, como nos disse João dos Santos e antes disseram Wallon e Piaget. Compreender implica atribuir significado, mas significado este que é atribuído porque a criança se percebe a si mesma através das suas reacções (movimento) e percepções (sensações).

O desenvolvimento integrado da Criança tem a sua origem no corpo que sente, que se movimenta e experimenta e que finalmente pensa de forma simbólica. João dos Santos foi Mestre a reflectir sobre o papel fundamental do corpo nas aprendizagens académicas e formais como as da leitura, escrita e cálculo. Em muitas páginas, mas de forma simples e sabedora, explica-nos isso mesmo e (re)fundamenta o que outros já tinham dito.

“O funcionamento mental exteriorizado através da psicomotricidade é particularmente importante durante a evolução infantil…” (in Ensinaram-me a ler o mundo à minha volta, p. 241). A construção da palavra, com intenção comunicativa e expressiva elaborada, faz-se na integração das sensações e vivências do corpo que se adiantam como meio expressivo enquanto a primeira não tem ainda um leque suficientemente complexo e elaborado de possibilidades comunicativas.

“Psicomotricidade é a expressão corporal do funcionamento psíquico. Psicomotricidade é o que, no comportamento humano, diz respeito à expressão corporal das emoções, sentimentos, vivências, fantasias e pensamentos”. (in Santos, 2007. Ensinaram-me a ler o mundo à minha volta, p. 240).

Fundada na ideia anterior, João dos Santos fala-nos da Reeducação Psicomotora como uma metodologia promissora (in Vida, Pensamento e Obra de João dos Santos de Maria Eugénia Carvalho e Branco, p. 401), “… destinada à correcção das debilidades motoras nas crianças com perturbações de articulação da palavra, com dificuldades de leitura e escrita e ainda à reeducação dos deficientes motores de nível mais profundo.” Em termos mais específicos, João dos Santos torna evidente a importância da Reeducação Psicomotora nos casos de Síndrome Psicomotor de Evolução (SPE), termo que utiliza para descrever as situações em que a expressão motora da criança se manifesta por instabilidade psicomotora, tiques, gaguez ou estrabismo concomitante ou ainda outros comportamentos externalizados e agidos, considerados sintomas que se organizam num plano sindromático.

Diz-nos, na obra “Ensinaram-me a ler o mundo à minha volta” que “Normalmente o inconsciente só interfere na motricidade e comunicação de forma discreta, não acessível à compreensão da maior parte dos interlocutores”. (p. 241). E acrescenta que “em situações de crise devidas a insuficiente elaboração mental, falta de defesas psíquicas eficazes ou perturbação emocional, a motricidade é atingida por vivências inconscientes que se manifestam sob a forma de interferências motoras parasitas incompreensíveis, desvios dos gestos significativos e da expressão mímica e pantomímica…”. (p. 241).

Esta “interferência” do plano inconsciente na motricidade é sobretudo visível na SPE, mas deve igualmente ser vista noutras problemáticas de desenvolvimento infantil que não são evidentes na sua expressão motora alterada como são os casos de Síndrome de Inibição e Bloqueio Afetivo (Santos, citado em Maria Eugénia Carvalho e Branco, Vida, Obra e pensamento de João dos Santos, pp. 429) ou na presença de Sintomas Reactivos da Infância (João dos Santos citado em Maria Eugénia Carvalho e Branco, Vida, Obra e pensamento de João dos Santos, p. 430).

Nos escritos de João dos Santos não é expressa a importância que eventualmente atribuiria à Intervenção Psicomotora nestes casos e não é igualmente a minha experiência, mas a inibição da expressão motora ou as suas alterações não patológicas (reactivas e adaptativas) devem ser igualmente equacionadas e são actualmente um campo de atuação da Intervenção Psicomotora, na sua dimensão preventiva (Sintomas Reactivos) e terapêutica (Inibição Psicomotora). Tendo de optar e sendo a minha experiência no domínio das perturbações do comportamento, parece-me legítimo enveredar pelo potencial terapêutico da Intervenção Psicomotora nesse campo.

De forma geral a intervenção psicomotora neste domínio, que podemos denominar de Saúde Mental Infantil, tem diferentes potenciais:

1 – Um espaço e um tempo de observação da expressão motora, na assunção de que a mesma é espelho de conflito interno e pode ser interpretada simbolicamente e enquadrada em toda a vivência da criança para a sua melhor compreensão. Por ser um espaço (ginásio) e tempo (relação com o outro, espaço e objectos) de liberdade expressiva e menor necessidade de controlo, torna-se um domínio de estudo privilegiado da organização psíquica e afectiva da criança. Neste plano é possível observar como a criança se organiza no espaço para as tarefas propostas, as escolhas que faz dos espaços que ocupa e a forma como os explora.

2 – Um espaço de acção directa sobre os objectos, no qual a execução motora e construção lúdica dirige a motricidade para objetivos concretos e específicos e permite a atribuição de significados (símbolos), implica a necessidade de raciocínio e tomada de decisão (controlo) e a construção do abstracto (hipóteses e conclusões). Temos como exemplo a possibilidade de escolha de actividades cujo conteúdo e forma de execução são, não só a expressão das possibilidades (partir daquilo que a criança é capaz de fazer) como também a expectativa de ir mais além (suportar no desafio de fazer diferente).

3 – Um espaço de revisão pessoal, através do resultado das prestações motoras, das expressões e das actividades concretizadas. Como exemplos a possibilidade de se auto-avaliar revendo o que foi feito e criando espaço e desejo de fazer de outra forma.

4 – Um espaço de devolução do símbolo e do afecto, através da mediatização do terapeuta que interpreta pela palavra e pelo modelo e conduz na auto-descoberta de significados. O terapeuta que suporta desejos e expectativas, organiza a execução e orienta a sua finalização e devolve uma imagem positiva interrogando a criança sobre o significado da conquista. Quantas vezes não perguntamos a uma criança o porquê de ter pensado de determinada forma, de ter feito certa escolha ou realizado uma actividade de modo particular e depois da resposta não devolvemos a ideia de que as escolhas e decisões nos parecem ser como as escolhas e decisões da vida do dia a dia… ???

Síndrome Psicomotor de Evolução (SPE) e Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção (PHDA)

Tenho dedicado o meu percurso profissional à Infância, em especial nas situações em que o desenvolvimento está perturbado por dificuldades de comportamento. Na grande maioria das vezes essas perturbações de comportamento são de natureza agida, levando pais e professores a queixas de irrequietude, impulsividade, agressividade, distractibilidade, descontrolo emocional e às suas naturais consequências na relação com os outros e na aprendizagem. Em específico, quer na clínica, quer na investigação, quer na leccionação a minha carreira tem sido sempre à volta da Hiperactividade e Défice de Atenção. O meu caminho permitiu-me o contacto com diferentes campos profissionais e diferentes formações de natureza conceptual e deixa-me um terreno onde me permito a liberdade de pensar nestas crianças e nas suas famílias de uma forma que muitos designam actualmente como Eclética e Integrativa e que tem sido o “porto seguro” do pensamento explicativo das diversas situações com que me vou confrontando.

No início dos anos 90, quando estagiei na Casa da Praia, aprendi que se designava por Instabilidade Psicomotora o quadro sintomático de muitas das crianças com quem convivi. Que na base desse quadro sintomático estava normalmente uma perturbação de ansiedade ou uma depressão e um conflito emocional gerado num percurso relacional pouco securizante. A expressão desse conflito em comportamento desviante era frequente e evidente. A intervenção em pedagogia terapêutica pressupunha a terapia psicomotora integrada como uma ferramenta de reestruturação dessa expressão comportamental desviante. Nos meus anos de “Casa da Praia”, como estagiária, voluntária e orientadora de estágios, descobri e percebi que:

A agitação se reorganiza com a possibilidade de nos revermos na actividade motora e que encontrar objectivos para a desorganização da motricidade conduz a saber pensar um pouco melhor e a serenar o corpo;

O conteúdo de cada jogo escolhido pelas crianças revela uma porta de compreensão da mesma e que se pudermos conversar um pouco sobre as suas escolhas e opções, podemos ajudar a própria criança a perceber o que se passa dentro de si; aprendi que o espaço do ginásio é um contentor de emoções e que as mesmas se podem devolver à criança sob a forma de palavra reorganizadora da expressão corporal. Lembro-me do mais importante livro que na altura li – Psicanálise dos Contos de Fadas de Bruno Bettelheim – e que me ajudou imensamente a compreender porque é que era tão importante que o ginásio se transformasse na história dos “três porquinhos”, nos domínios do “Capuchinho Vermelho e do lobo mau” e no castelo da princesa e do gigante ameaçador…

Percebi porque é que organizar a sessão de psicomotricidade num circuito de actividades sequenciais, de desafio progressivo e auto-avaliação constante, era organizador e estabilizador do comportamento motor das crianças; percebi porque é que simplificar um jogo desportivo codificado era fundamental para a capacidade de execução e para a possibilidade de partilha com o outro; percebi porque é que a minha postura, aquilo que observava e devolvia à criança era a chave que fazia toda a diferença.

Lembro um menino que na altura foi muito importante para mim. Chamava-se B. e tinha um apelido que transformámos noutro, numa brincadeira à sua constante agitação. Era o B. “Pólvora”. Com ele percebi que se devolvesse em palavras aquilo que ia fazendo em movimento e atribuísse significado ou o conduzisse a uma atribuição desse mesmo significado por parte dele mesmo, o corpo serenava, o pensamento organizava-se, dava resposta eficaz, ficava satisfeito e queria repetir em vez de interromper tudo sistematicamente, desistir com descontrolo emocional, saltitar entre tarefas sem terminar nenhuma. Com o nosso “Pólvora” como com outras crianças “… a motricidade suporta uma grande parte das tensões geradas pelas tentativas constantes do EU para resolver e ultrapassar os conflitos com o exterior e as contradições internas” (in Ensinaram-me a ler o mundo à minha volta, p. 240)

Com estas raízes pude fazer novos caminhos que me levaram a outros olhares sobre a agitação, a instabilidade, a impulsividade. Caminhos que me permitiram aprender novas formas de explicar o mesmo, me deram suporte e me permitem hoje um sentimento de maior solidez e ao mesmo tempo de flexibilidade para pensar sobre as crianças e as suas famílias.

Atualmente a compreensão que faço da “Instabilidade Psicomotora”, da agitação, da irrequietude, aliadas à impulsividade, distractibilidade e fragilidade no controlo emocional é acrescida de uma componente mais neurobiológica e fundada daquilo que se designa por evidência científica e estou em crer que só assim a compreensão se torna mais completa e competente.

À prática da intervenção psicomotora do ponto de vista metodológico acresce a utilização de situações mais concretas e organizadas para além das expressivas que me suportavam nos primeiros anos. E nelas encontro a possibilidade de reorganizar a motricidade num plano menos interpretativo ou no domínio da fantasia mas igualmente simbólico no plano do abstracto e do pensamento.

Hoje os meus “Pólvoras” com outros nomes próprios levam-me a perceber que aquilo que João dos Santos chamou de “Síndrome Psicomotora de Evolução” e afirmou que o “…sintoma inicial…” parecia ser a instabilidade … que estaria na “…base de todas as dificuldades de adaptação da criança, quer pré-escolar quer escolar.” (in op cit. p. 241) deveria ser um ponto de partida para a compreensão das dificuldades de cada um, sendo que muitos organizam os seus conflitos (inevitáveis) em função de uma condição biológica de fragilidade que se expressa desde cedo numa dificuldade de auto-regulação e que esta é naturalmente geradora de insegurança e ansiedade dos pais, derivando então num ciclo vicioso de relação em que o sintoma inicial se mantem, se torna hábito comportamental e se enraíza em estruturas de funcionamento intelectual e emocional que no desenvolvimento se expressam evolutivamente, mas maioritariamente por comportamentos agidos.

A diversidade de situações que se podem descortinar para além da “queixa” inicial de que “não pára quieto”, tem sido a riqueza do meu percurso e a possibilidade de regressar a João dos Santos e em cada leitura descobrir que se hoje tivéssemos uma conversa sobre o seu conceito de “Síndrome Psicomotor de Evolução” e a tão falada “Hiperactividade e Défice de Atenção” chegaríamos a um ponto sereno de encontro e compreensão integrada dos dois conceitos. Senão vejamos o que nos escreve na página 241 da obra supra citada: “Na prática observamos que a instabilidade de certas crianças é essencialmente emocional, e corresponde portanto a uma constante fuga entre os vários objectos que a envolvem, outras vezes é essencialmente motórica e corresponde a uma permanente incapacidade da mente para dirigir uma motricidade frágil e pouco controlável”. E mais à frente resume esta ideia, organizando-a e referindo que “… a síndrome psicomotora de evolução… é um quadro emocional em que a motricidade participa inadequadamente…” e que pode surgir em função de: 1) – Crises de desenvolvimento psicomotor com desajustamento da criança às condições impostas pelo meio; 2) – insuficiente elaboração interna das vivências e fantasias e 3) insuficiência do sistema neuromotor para responder adequadamente aos impulsos internos e solicitações externas. (adaptado de Ensinaram-me a ler o mundo à minha volta, p. 242)

Só um Mestre é capaz de resumir uma ideia que explique tanto em tão poucas palavras. E nela revejo o meu caminho de compreensão do que inicialmente aprendi a designar por Instabilidade Psicomotora. Atrevo-me a acreditar que João dos Santos aceitaria a ideia de que o conceito de “Síndrome Psicomotora de Evolução” é um olhar integrado para as perturbações do desenvolvimento que se expressam em desvios de comportamento, especialmente em comportamentos de agitação psicomotora, instabilidade, impulsividade.

Na obra citada, João dos Santos aponta linhas orientadoras para a Reeducação Psicomotora destas crianças e na sua leitura revejo a minha prática ainda que modificada por outros domínios de formação. Atrevo-me a acrescentar a cada uma das fases propostas por João dos Santos:

1. Modelação do EU pelo outro através do diálogo. Aprendizagem das bases da relação. Exercícios que possam reproduzir a passagem evolutiva do corporal ao verbal. Exercícios de passividade-atividade. Funcionamento em espelho. Na intervenção com crianças agitadas toda a prática surge do movimento espontâneo e progressivamente orientado para uma finalidade

2. Comunicação através do gesto. Dos jogos gestuais ao gesto significativo, simbólico e abstracto. A comunicação da criança agitada faz-se de gestos e movimentos que substituem muitas vezes a palavra… “diz-me com palavras o que queres dizer com o corpo” é a tentativa de transformar o movimento em símbolo.

3. Utilização do objecto intermediário na linguagem simbólica. Porque a relação directa pode ser insuportável de início o objecto serve de ponte e de intermediário na relação e na execução organizada do gesto e do movimento.

4. Integração ao meio e ao grupo através do ritmo. Exercícios a partir do ritmo da criança para a imposição de ritmos. Toda a sessão de intervenção psicomotora tem um ritmo, tempos próprios e uma estrutura que, não sendo rígida, é estável e estabiliza.

5. Aprendizagem da atitude ou controlo reflexão-abandono. Exercícios de passagem da agitação/descarga ao domínio do corpo e da expressão corporal/relaxação. A estrutura da sessão e as actividades-tipo partem da acção para a reflexão, do gesto para o pensamento e possibilitam um espaço de encontro com o próprio onde o corpo pode serenar e a fantasia fluir sem agitação.

6. Aprendizagem da relação expressiva. Jogo dramático e educação através da arte. Formas anteriores de expressão integradas. O processo complexifica-se e a autonomia progressiva da criança surge na medida da sua estabilidade emocional, dando espaço para uma sessão sem interrupções na qual o verbo se torna o ponto mais central da terapia. 

Em jeito de resumo e mais uma vez citando João dos Santos, a Intervenção Psicomotora em Saúde Mental Infantil deve continuar a ser um meio terapêutico de excelência “… quando a vida de uma criança lhe não permitiu ter uma vivência conveniente do corpo, do espaço e dos conflitos, temos de ajudar a sentir-se, a deslocar-se, a contar as suas histórias”. (in Ensaios sobre a Educação I – A Criança quem é?)

A intervenção psicomotora é sempre uma parte a complementar e não deve esquecer que o envolvimento da família e da escola é fundamental para que a compreensão expressiva de cada criança seja mais efectiva e eficaz nos processos de mudança. A mudança terapêutica implica a mudança dos contextos físicos e relacionais e o envolvimento daqueles que com a criança convivem diariamente. Sem esse envolvimento a mudança individual ficará sempre aquém das possibilidades.

 
 
 
 
 
*     Professora Doutora Ana Rodrigues
       Professora da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa
     
**   Transcrição da conferência proferida pela Professora Doutora Ana Rodrigues no congresso “João dos Santos no século XXI”, 6 de Setembro de 2013

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    Cecília Menano, João dos Santos e Maria Emília Brederode Santos em conversa

    Clique na seguinte ligação para para visualizar este vídeo do Instituto de Tecnologia Educativa – RTP (1975) A Escolinha de Arte de Cecília Menano – com Cecília Menano, João dos Santos e Maria Emília Brederode Santos, que foi muito generosamente disponibilizado pelo Dr Daniel Sasportes (19 minutos). [Clique nesta ligação]

     


  • Programa IFCE no Ar, Radio Universitária

    Entrevista sobre o andamento do curso à distância “Introdução ao Pensamento de João dos Santos”

    Entrevista gravada com a coordenadora do curso “Introdução ao Pensamento de João dos Santos”, Professora Patrícia Holanda da Linha de História da Educação Comparada da UFC (Universidade Federal do Ceará), com o Doutor Luís Grijó dos Santos (filho de João dos Santos), e a coordenadora pedagógica do curso Professora Ana Cláudia Uchôa Araújo da Directoria da Educação à Distancia do IFCE (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará). A entrevista foi realizada pelo jornalista Hugo Bispo do Programa IFCE no Ar em 3 de Novembro de 2016.

    Para ouvir a gravação desta entrevista clique nesta ligação.

     


     

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