Uma forma mágica de pensar

Dra Maria Isabel Vaz Pereira MEDIUMMaria Isabel Vaz Pereira
Diretora do Colégio Eduardo Claparède
Julho de 2013

João dos Santos tem de ser invocado através do que foi e nos ensinou a ser.

Vinte e seis anos passados sobre a sua morte, a sua lembrança continua bem viva em todos os que, como eu, tiveram o privilégio de o conhecer e de aprender com ele – partilhando dúvidas e certezas.

Vou tentar falar dele e da sua relação com o Colégio Eduardo Claparède de que foi um dos fundadores. Nesses anos 50, jovem adolescente olhava com certo receio aquele senhor tão admirado por minha mãe e outros colaboradores e que, aqui para nós, me intimidava com o seu olhar tão vivo e profundo.

Nessa década de 50, fui indirectamente testemunha da grande actividade que se desenvolveu à volta dele e de um grupo de pessoas entusiastas e determinadas como minha mãe Rosa Bemfeito, Margarida Mendo, Maria Amália Borges, Maria Luísa Torres Pires, Arminda Grilo. Depressa chegaram à conclusão que havia muito a fazer e ainda nessa década lançaram as bases de outras instituições. Cito apenas a primeira classe de amblíopes que deu origem ao centro Helen Keller e a Liga Portuguesa de Deficientes Motores actualmente Fundação Liga.

O Colégio era então, como é ainda hoje, um espaço familiar, acolhedor e contentor. Nele se formou uma equipa e se ensaiaram metodologias de didática especial. A avaliação constante e regular, fazia-se sobretudo através do seminário psicopedagógico que se realizava semanalmente, (eram as reuniões de terça-feira).

Essas reuniões que sempre se continuaram a realizar, tinham uma porta aberta para o exterior e por elas passaram muitos nomes conhecidos nas áreas da saúde mental e da pedagogia. Não se limitavam ao estudo de um caso (ver a melhor linha terapêutica, pedagógica a ter com esta ou aquela criança), mas eram também uma formação constante para toda a equipa e fiéis frequentadores.

João dos Santos, com a sua enorme capacidade de comunicação e sentido de humor fazia com que se aprendesse informalmente.

A sua presença era sempre interessada e aliava uma grande tolerância a uma grande exigência.

Muitas vezes dizia “Só faço aquilo que gosto!”. Isso era muito importante para que quem o ouvisse, percebesse que “Nisto de lidar com crianças, é preciso gostar!”. É um ofício que só se faz com PRAZER. “Tem de se educar com autenticidade e afectividade”.

Ouvia atentamente o que os professores e os técnicos diziam, as dúvidas que colocavam, aconselhava-os e ajudava-os a reflectir.

Ensinou-nos muitas coisas simples e complexas por serem simples. Ensinou-nos que “Um educador deve observar mas também deixar-se observar”, “Educar é oferecer-se como modelo”.

Sempre que algum incauto puxava duns papéis onde tomara notas sobre a criança de que se estava a falar ele protestava logo e dizia: “Meta lá os papéis no bolso. Diga o que sente!

Também um dos traços mais marcante da sua influência no Colégio foi a importância dada à criatividade da criança e do jovem – à capacidade de se exprimirem através do gesto, do corpo, da música e da expressão plástica.

Lembro, a propósito, ainda no final dos anos 50, uma extraordinária exposição de pintura e gravura dos alunos do Colégio na S.N.B.A.. Cecília Menano orientava nessa altura o atelier de artes plásticas do Colégio, com a colaboração de Maria de Conceição Gouveia que foi uma das suas continuadoras.

João dos Santos ensinou-nos:

“Se as escolas fossem oficinas onde a criatividade tivesse um papel primordial mesmo na aprendizagem da leitura e contas, as crianças trariam consigo e dentro de si mais objectos de amor para se protegerem da vida.”

Durante as reuniões, dizia frequentemente: “Não acreditem naquilo que eu digo. Estava só a inventar.” Quem o ouvia interrogava-se. Estaria a falar a sério? Seria verdade aquilo que ele estava a dizer? Era, mas era também uma maneira de nos levar a reflectir e a duvidar – a dúvida é tão importante como a certeza.

Homem de linguagem simples e acessível, era com uma não disfarçada ironia que, sempre que algum de nós usava um termo mais técnico, dizia: “Não sei o que quer dizer, traduza lá esse palavrão!

Finalmente quero recordar o homem e o amigo que amava profundamente a vida e que para quem todos os pretextos eram bons para reunir colaboradores e amigos em almoços e jantares, gozando da sua companhia e das conversas que se arrastavam pela noite dentro. O amigo que nos convidava a ir até à sua casa de Sesimbra e à sua pequena quinta de S. Pedro de Sintra, onde fazia questão que admirássemos as framboesas que lá cultivava e que depois nos oferecia.

João dos Santos interessava-se também por todas as manifestações culturais que iam acontecendo – da pintura à literatura, do teatro à música e ao cinema.

Relato a propósito um pequeno episódio: um dia João dos Santos confidenciou ao meu marido, crítico de cinema em vários jornais, que gostaria de mostrar aos seus colaboradores uns filmes que muito o interessaram. Foi assim que o Zé organizou nos cinemas Quarteto, com a colaboração de Pedro Bandeira Freire, a exibição privada de 2 filmes de François Truffaut “O Menino Selvagem” e “Os 400 Golpes” e de um filme de Werner Herzog “Kaspar Hauser”.

No final das sessões houve debates muito vivos e enriquecedores com a participação de toda a assistência. Um sucesso!

Com João dos Santos crescemos e aprendemos que:

“O importante é trazer no coração a vida e os ensinamentos que nos sopraram, aqueles que tinham a sabedoria”.

“A arte de viver consiste em saborear o mel da vida mesmo quando a adversidade nos atinge”.

Um dia eu gostaria de poder dizer tão convictamente como João dos Santos:

“A minha vida foi o prazer de existir”.

Maria Isabel Vaz Pereira


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    Cecília Menano, João dos Santos e Maria Emília Brederode Santos em conversa

    Clique na seguinte ligação para para visualizar este vídeo do Instituto de Tecnologia Educativa – RTP (1975) A Escolinha de Arte de Cecília Menano – com Cecília Menano, João dos Santos e Maria Emília Brederode Santos, que foi muito generosamente disponibilizado pelo Dr Daniel Sasportes (19 minutos). [Clique nesta ligação]

     


  • Programa IFCE no Ar, Radio Universitária

    Entrevista sobre o andamento do curso à distância “Introdução ao Pensamento de João dos Santos”

    Entrevista gravada com a coordenadora do curso “Introdução ao Pensamento de João dos Santos”, Professora Patrícia Holanda da Linha de História da Educação Comparada da UFC (Universidade Federal do Ceará), com o Doutor Luís Grijó dos Santos (filho de João dos Santos), e a coordenadora pedagógica do curso Professora Ana Cláudia Uchôa Araújo da Directoria da Educação à Distancia do IFCE (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará). A entrevista foi realizada pelo jornalista Hugo Bispo do Programa IFCE no Ar em 3 de Novembro de 2016.

    Para ouvir a gravação desta entrevista clique nesta ligação.

     


     

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