
Ao ler os depoimentos dos ilustres colegas que vão sendo publicados nesta página, sinto que todos eles transmitem uma experiência única e irrepetível: o gozo de partilhar com João dos Santo o seu saber, o seu entusiasmo e sobretudo o seu prazer de viver.
Não tive esse privilégio. Os meus contactos com ele foram infelizmente demasiado breves. Apesar disso, transporto comigo desde que o seu nome entrou na minha vida, a imagem de um Homem de coragem que ousou enfrentar um poder que exigia vénias e pactos, obrigando a que muitos abdicassem da força das suas convicções e da liberdade do seu pensamento.
Pobres desígnios.
Hoje, ao comemorarmos o centenário do seu nascimento, percebemos bem como as suas ideias se impõem como uma torrente imparável que rebentou diques e barreiras, inundando os nossos espíritos, refrescando-nos, inspirando-nos e sobretudo transmitindo uma mensagem clara:
Vale sempre a pena lutar por aquilo em que acreditamos!
Pertenço a uma geração que conheceu João dos Santos sobretudo através daqueles que com ele privaram e que assumem orgulhosamente a sua condição de discípulos. Recordo a vivacidade e a admiração, tantas vezes emocionada com que Maria José Vidigal falava do seu Mestre; e se refiro M. J. Vidigal é tão só porque foi essencialmente com ela que tive o privilégio dessa partilha quase quotidiana.
Ao brilhantismo do Mestre juntava-se não só a admiração e o respeito da discípula mas também a humildade de quem se sente portadora de um Saber “que não se aprende nos livros” mas que é urgente transmitir.
Vivemos numa época de desperdício da(s) Palavra(s). Interrogo-me cada vez mais sobre o valor da comunicação oral, sobretudo quando somos inundados diariamente pelos “media” com torrentes de informação criando um equivoco, em meu entender penoso, entre informação e Conhecimento, mergulhados numa vacuidade discursiva. Cada vez parece haver menos espaço para a reflexão e para a crítica.
Para João dos Santos, a Palavra tinha um valor inegociável e único. Defendia que a transmissão do conhecimento se deveria fazer sobretudo através da palavra dita, falada, da comunicação oral; da Palavra usada com rigor, que traduzisse a riqueza do pensamento, mas que fosse essencialmente um veículo de afectos.
Não admira pois que a sua Palavra tenha chegado até aos dias de hoje com uma força que nos continua a alimentar, que nos encoraja e conforta.
E se tive o privilégio de receber ainda que por interpostas pessoas o legado da Palavra de João dos Santos, tenho ainda o privilégio de conviver de perto com uma geração de jovens pedopsiquiatras que nasceram já na época da informação instantânea, da vertigem da comunicação supersónica; que vivem cercados por uma ciência(?) que se afirma rigorosa, que recorre aos mais sofisticados métodos de investigação, mas que amiúde esquece uma verdade essencial e insubstituível: O verdadeiro conhecimento do Homem e do seu sofrimento, é o que resulta da sua relação com o Outro, que o escuta, que “ouve” a sua palavra ou o seu silêncio. Que é capaz de dar significado a esse espaço único de intersubjectividade criado na relação entre dois seres humanos.
E esse convívio permite-me assistir com alguma emoção, ao entusiasmo com que muitos desses jovens colegas que não conheceram nem se cruzaram com João dos Santos abraçam as suas ideias. De poder testemunhar a força reprodutora do seu pensamento, capaz de se desdobrar em novas e inspiradoras perspectivas. Este será porventura o seu maior legado, porque é este pensamento capaz de potenciar e gerar novos horizontes, que vale verdadeiramente a pena.
Lisboa, 4 de Maio de 2013 © 2013 joaodossantos.net. Todos os Direitos Reservados / All Rights Reserved.