João dos Santos: Amizade e Gratidão

fotografia da Dra. Maria Luis Borges de Castro MEDIUMMaria Luís Borges de Castro
Psicanalista (SPP), Pedopsiquiatra
Junho de 2013

Quando a família de João dos Santos me pediu o meu testemunho sobre esta excecional Pessoa, Amigo e Profissional, a primeira coisa que imediatamente pensei foi: eu nunca lhe agradeci!!!

Realmente, a minha vida profissional foi modelada em função de um dia o ter conhecido. Passo a exemplificar:

Acabada de entrar no Serviço de Psiquiatria do Hospital de Santa Maria e integrada na Equipa do Hospital de Dia, chefiada pelo João França de Sousa, foi-me por este proposto, de participar de um seminário dirigido por João dos Santos, que se realizava semanalmente na chamada consulta de neuroses, e que consistia na observação e discussão clínica a partir das entrevistas por si realizadas a pessoas, que acorriam à consulta de Psiquiatria. Uma das condições para a minha integração neste trabalho de observação era já estar, pelo menos há 1 ano, em análise pessoal.

Durante cerca de um ano, tive a oportunidade de aprender “a estar” com o sofrimento das pessoas, que se dirigiam a esta consulta, a saber sentir a forma como elas o sabiam transmitir e também a compreender a sua incapacidade de o transmitir. Não havia a necessidade de encontrar classificações psiquiátricas, bastava ouvi-las e sem algum juízo de valor, aceitá-las. Lembrei-me de um excerto do livro “A Queda” de Albert Camus: “A metáfora do inferno deveria ser a realização sem regresso da classificação irreversível“. Este era um dos ensinamentos de vida para trabalhar em saúde mental, que não vinha nos livros…

Entretanto, eu tinha tomado a resolução de seguir a minha vida profissional, não como psiquiatra de adultos, mas sim dedicar-me neste campo, à infância. Já me sentia em processo identificatório com o Mestre, que tinha, ali mesmo, a meu lado…

Simultaneamente, por razões familiares, havíamos decidido sair de Portugal para Paris, onde eu sabia muito pouco da possibilidade de ser integrada em estabelecimentos hospitalares, onde pudesse fazer a minha formação em Pedopsiquiatria. Sabia, no entanto, que já havia Internato Hospitalar de Pedopsiquiatria.

Numa manhã cinzenta de Lisboa, em que senti um enorme frio no Jardim das Amoreiras, onde me fiz fazer esperar cerca de 30 minutos pela hora acordada com João Santos entrei no ex-Centro de Saúde Mental Infantil, onde este era Director. Sem espera, fui imediatamente levada ao seu gabinete, que se situava no terceiro e último andar do edifício.

O seu sorriso pela compreensão da minha atrapalhação, a sua voz calma e as suas palavras pausadas, tiveram imediatamente o efeito sobre mim de me sentir aceite e compreendida. Então fiz o pedido: “diga-me para onde devo ir, que serviço devo frequentar para pedir uma bolsa de estudo para Paris”.

Tal como eu imaginara, ele sabia tudo…

“Maria Luís (ainda me lembro da forma como ele proferiu o meu nome), vai para o Centre Alfred Binet no XIII ème arrondissement. Tenho lá dois grandes amigos: Serge Lebovici e Renée Diatkine, que lhe podem ensinar muito!!!“. Imediatamente começou a escrever uma carta para Lebovici.

Saí daquele gabinete com o meu futuro profissional na mão!!! Mas não só, saí para outro País, onde fui sempre acarinhada pelo enorme “empurrão”, que aquela carta me proporcionou. Devo-lhe um grande espaço aberto de aceitação e amizade.

A sua profecia concretizou-se: “que lhe podem ensinar muito!!!

Este “falar de mim” tem como finalidade mostrar uma faceta da personalidade de João dos Santos. Homem, cuja moral não advinha só do seu supereu. Resultava da sua estrutura humana e humanística, que se espelhava nas três facetas do seu carácter: o prazer de viver, a esperança, que punha nos outros e a sua generosidade.

Voltei de Paris, quatro anos depois; João dos Santos já não era Director do Centro de Saúde Mental Infantil, tinha atingido a idade da reforma. Tive, assim, de o procurar noutra faceta da sua vida profissional: a de psicanalista. Foram os seminários, os colóquios da Sociedade Portuguesa de Psicanálise (SPP) e as nossas conversas, ou em casa dele, ou na minha. Ele também me ensinou muito(!), tanto profissionalmente, nomeadamente a não ser só pedopsiquiatra, mas sim profissional de Saúde Mental Infantil, e ainda, e sobretudo na experiência de vida, dos bons e maus momentos, em que por vezes o sofrimento nos faz perder o dom da razoabilidade para as grandes decisões…

É verdade, nunca lhe agradeci (a não ser fugidiamente naquela manhã cinzenta). Mas, também é verdade, que ele nunca me deu essa oportunidade.

A sua discrição, assim o obrigava!!!

Maria Luís Borges de Castro


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    Cecília Menano, João dos Santos e Maria Emília Brederode Santos em conversa

    Clique na seguinte ligação para para visualizar este vídeo do Instituto de Tecnologia Educativa – RTP (1975) A Escolinha de Arte de Cecília Menano – com Cecília Menano, João dos Santos e Maria Emília Brederode Santos, que foi muito generosamente disponibilizado pelo Dr Daniel Sasportes (19 minutos). [Clique nesta ligação]

     


  • Programa IFCE no Ar, Radio Universitária

    Entrevista sobre o andamento do curso à distância “Introdução ao Pensamento de João dos Santos”

    Entrevista gravada com a coordenadora do curso “Introdução ao Pensamento de João dos Santos”, Professora Patrícia Holanda da Linha de História da Educação Comparada da UFC (Universidade Federal do Ceará), com o Doutor Luís Grijó dos Santos (filho de João dos Santos), e a coordenadora pedagógica do curso Professora Ana Cláudia Uchôa Araújo da Directoria da Educação à Distancia do IFCE (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará). A entrevista foi realizada pelo jornalista Hugo Bispo do Programa IFCE no Ar em 3 de Novembro de 2016.

    Para ouvir a gravação desta entrevista clique nesta ligação.

     


     

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