
Foi na primeira metade dos anos 50 do Séc. passado que a Drª Maria Amália Borges teve a feliz ideia de me apresentar ao Dr. João dos Santos. Acabara recentemente de terminar o curso de parteira na Faculdade de Medicina de Coimbra e estava em Lisboa a trabalhar na Maternidade Alfredo da Costa. Desabafara a minha desilusão em relação a algumas práticas do foro da Saúde Mental aplicadas a crianças e adolescentes no Hospital Psiquiátrico Sobral Cid onde estagiara como aluna de enfermagem psiquiátrica, carreira que não quis seguir. Falou-me aquela minha amiga, com entusiasmo das ideias avançadas do Dr. João dos Santos chegado havia pouco de Paris.
Foi o primeiro passo para o conhecimento que fiz com essa personalidade ímpar de quem, por sorte minha, fui colaboradora, amiga e consequentemente admiradora. Fui aluna também porque seria impossível lidar de perto com o Mestre mais discreto e eficiente que conheci, sem reconhecer que todos os dias com ele aprendíamos.
Como sua secretária, inexperiente nessa área, aprendi a ser metódica; como enfermeira dos seus doentes privados aprendi a ser discreta e paciente com as eventuais excentricidades destes. Enquanto me licenciava em Filosofia na Faculdade de Letras de Lisboa, ensinou-me, em conversas informais, a olhar de forma diferente as teorias Freudianas e a desbravar a originalidade de Wittgenstein. Como mãe devo-lhe ter-me ajudado a compreender os altos e baixos da minha filha, a entrar na adolescência, com um pai ausente.
Sempre a aprender a ler o mundo à minha volta, acompanhei desde a ante primeira hora, a equipa que fundou o Centro Infantil Helen Keller constituída pelo oftalmologista Dr. Henrique Moutinho, a pedagoga entusiasta do método Freinet, Drª Maria Amália Borges e por ele, Dr. João dos Santos, mentor, por excelência, do grupo, no que respeita a psicopedagogia.
Quando por motivos, alheios à minha vontade, tive que abandonar a escola Helen Keller, mantive as relações de amizade com a equipa pelo que, em 1960, ao desejar publicar o livro Maternidade – para orientação da Futura Mãe, pedi ao Dr. João dos Santos que me desse a sua opinião. Depois de ler, fez as melhores referências mas… no seu geito próprio, sugeriu-me que não incluísse o capítulo relativo às patologias da gravidez explicando-me o porquê da sugestão que, de imediato, aceitei. Retirei cerca de 20 páginas.
Se refiro o episódio anterior é porque no prefácio da obra citada, o Dr. João dos Santos teve a amabilidade e a generosidade de referir como mérito meu o que só a ele, à sua sensibilidade e saber se deve. Depois do que relatei e fazendo justiça, aqui se transcrevem as suas palavras:
O livro de Glória Maria Marreiros parece-nos poder ser incluido na categoria de escritos de acção cultural que podem ajudar os leitores a pensar sem lhes levantar grandes problemas emocionais. Conscientemente a autora evitou divulgar os aspectos patológicos da maternidade, pois esses só os médicos na sua acção directa podem resolver.
Voltemos agora aos primeiros tempos da minha colaboração com o Dr. João dos Santos. Falei-lhe com entusiasmo do curso de preparação para o parto pelo método psicoprofiláctico que frequentara sob a direcção do Dr. Pedro Monjardino no Hospital do Ultramar, hoje Hospital Egas Moniz.
Para encanto meu, o Dr. João dos Santos era profundamente conhecedor da base teórica do método aplicado no chamado parto sem dor, a partir do reflexo condicionado de Pavlov. Conhecera em Paris o entusiasmo que rodeava o Dr. Lamase que trouxera o método da União Soviética e o aplicara. Estivera com o Dr. Pierre Vellay colaborador e continuador do Dr. Lamase após a morte deste.
Entre nós os dois primeiros médicos psiquiatras que se interessaram pelo parto pelo método psicoprofiláctico foram o Dr. Seabra Dinis e o Dr. João dos Santos. Na sua obra Parto Sem Dor e Psicoterapia, João dos Santos, além de salientar os benefícios para a parturiente, fá-lo também em relação às vantagens para o bebé e revela uma série de regras para o bom sucesso do método porque como diz: o modelo de comportamento é essencial em toda a acção psicoterápica.
Deixei intencionalmente para o fim esta especial e grata recordação do Dr. João dos Santos, e que motivou o título deste modesto testemunho de admiração pelo Mestre que mais influenciou a minha postura na sociedade como Pessoa de corpo inteiro e que, desde cedo e sempre, se preocupou com o bem-estar e o são desenvolvimento da criança, mesmo ainda antes de ela ter nascido.
Maio de 2013, Glória Maria Marreiros
*Enfermeira e Licenciada em Filosofia
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